Thursday, October 18, 2007

Para sempre

Há coisas que não se esquecem. E em relação ao meu avô tenho muito para recordar. A maneira como ele me sentava no balcão do café enquanto bebia uma bica cheia e escaldada e uma São Domingos. O que ele berrou no meu primeiro recital de música onde eu só sabia as primeiras notas das Pombinhas da Catrina. O que ele me ralhou quando me apanhou a fumar. A tentativa frustrada de me fazer entender as fórmulas matemáticas mais simples. A maneira como me pedia para ir fazer coisas tão chatas como ir entregar a declaração do IRS. A nossa viagem ao centro do país. Os berros que dava quando tinha a câmara de filmar e se armava em realizador gritando "aaaanda" ou "agora fala". O sorriso malandreco quando falava das inúmeras namoradas. O orgulho de ter 80 anos e "solteiro" no BI. Os cigarros que fumava em plena sala de espera dos hospitais, para meu horror. Quando ele me ia buscar à escola primária com um Ford Sierra enooorme e eu me sentia uma princesa a entrar para a limousine. Dos lanches de torradas e Trinas de maçã, antes de me levar à ginástica ou à música. Quando me chamava cara de pintarroxo e vigarista. Da paciência que tinha em levar-me ao clube de vídeo na esperança que eu trouxesse algo diferente, embora soubesse que eu traria o Dartacão pela milionésima vez. Dos relógios de corda sempre impecáveis. Dos sapatos que pareciam não envelhecer. Do alto no cimo da careca.
Não sei se alguma vez lhe disse realmente o quanto gostava dele. Se eu tivesse chegado 10 minutos mais cedo....

1 comment:

Anonymous said...

Mas ele sabia disso. Podia não mostrar mas sabia. E bem me avisou:" Isto é o meu querubim, a minha vida. Trata bem dela. Se lhe fazes mal vou atrás de ti até à China." Não fiques triste pelo que não se disse. Lembra-te, com um sorriso, dos bons momentos e das palavras bonitas.